CUT SOCIALISTA E DEMOCRÁTICA
1.
Programa de Marina Silva defende com unhas e dentes a terceirização ampla
e irrestrita
Ao pesquisar a
palavra "terceirização" no Programa da candidata Marina Silva, li com
extrema preocupação os trechos abaixo (íntegra disponível em
http://marinasilva.org.br/programa/), que são muitíssimos parecidos com as
propostas mais reacionárias e conservadoras existentes hoje no Brasil visando
prejudicar os trabalhadores (como por exemplo o nefasto PL 4330):
Página 75:
"...terceirização de atividades leva a maior especialização produtiva, a
maior divisão do trabalho e, consequentemente, a maior produtividade das
empresas. Com isso, o próprio crescimento do setor de serviços seria um motor
do crescimento do PIB per capita. Ambas as explicações salientam o papel do
comércio e serviços para o bem-estar da população. Mesmo assim, o setor
encontra uma série de entraves ao seu desenvolvimento. Há no Brasil um
viés contra a terceirização, e isso se traduz bem no nosso sistema tributário,
que impõe impostos como ISS e ICMS − em cascata ou cumulativos − em transações
que envolvem duas ou mais empresas. A consequência: algumas atividades que
poderiam ser terceirizadas por empresas acabam realizadas internamente, em
prejuízo da produtividade, porque essa forma de tributação eleva os custos e
tira a vantagem da operação."
E ainda que o
trecho acima ainda fosse suficientemente claro, logo à frente fica ainda mais
evidente a defesa escancarada da terceirização (contra a qual o movimento
sindical e várias entidades da sociedade civil organizada vem lutando):
Página 76:
"Existe hoje no Brasil um número elevado de disputas jurídicas sobre a
terceirização de serviços com o argumento de que as atividades terceirizadas
são atividades fins das empresas. Isso gera perda de eficiência do setor,
reduzindo os ganhos de produtividade e privilegiando segmentos profissionais
mais especializados e de maior renda. O setor de serviços é mais penalizado por
esse tipo de problema, ficando mais exposto à consequente alocação ineficiente
de recursos com perda de produtividade."
Segue a péssima
proposta da candidata, também à pág. 76: "Disciplinar a terceirização de
atividades com regras que a viabilizem, assegurando o equilíbrio entre os
objetivos de ganhos de eficiência e os de respeito às regras de proteção ao trabalho."
Qualquer
trabalhador ou sindicato que conheça o mundo do trabalho sabe que viabilizar a
terceirização em todas as atividades de uma empresa, sem qualquer limite, por
definição significa um enorme desrespeito “às regras de proteção ao trabalho”,
como veremos a seguir.
2. O
modelo precarizante proposto por Marina Silva viola a Constituição Federal
A Constituição
Federal de 1988 se configura como impedimento à eliminação e limitação do
direitos trabalhistas e sindicais, defendida pelo programa da candidata
Marina Silva e pelo PL 4330, de 2004. Tais propostas significam uma séria
ameaça aos trabalhadores, aos sindicatos, à sociedade e à democracia.
Veremos a seguir
que é evidente a inconstitucionalidade, injustiça e inconveniência de tais
propostas.
A primeira
inconstitucionalidade da proposta de Marina Silva reside no princípio da
igualdade, contido no art. 5º.,caput, da Constituição Federal. Está inserido no
rol dos direitos fundamentais do cidadão, categoria de direitos que não estão
afetos a restrições infraconstitucionais, o que significa que não podem ser
limitados pelo ordenamento jurídico, seja quanto à regulamentação, efetivação
ou exercício desses direitos.
Vejamos a redação
do caput do art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:” (...) negritamos
Ao prever uma
ampla e irrestrita terceirização, há flagrante violação ao princípio da
isonomia. A jurisprudência do E. STF demonstra que a proposição, caso venha a
ser transformada em lei (o que, diga-se de passagem, consideramos altamente
indesejável, ante sua completa inadequação com nosso ordenamento jurídico),
seria considerada manifestamente inconstitucional: “Estabelece a Constituição
em vigor, reproduzindo nossa tradição constitucional, no art. 5º, caput (...).
(...) De outra parte, no que concerne aos direitos sociais, nosso sistema veda,
no inciso XXX do art. 7º da Constituição Federal, qualquer discriminação
decorrente – além, evidentemente, da nacionalidade – de sexo, idade, cor ou
estado civil. Dessa maneira, nosso sistema constitucional é contrário a
tratamento discriminatório entre pessoas que prestam serviços iguais a um
empregador.” (RE 161.243, Rel. Min. Carlos Velloso, voto do Min. Néri da
Silveira, julgamento em 29-10-1996, Segunda Turma, DJ de 19-12-1997.)
negritamos
O caput do art.
5º. deve ser interpretado em conjunto com os seguintes incisos do art. 3º. da
CF: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; III - erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV -
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.”
O art. 1º da
Constituição Federal Brasileira coloca o valor social do trabalho, ao lado da
dignidade da pessoa humana, como bens juridicamente tutelados e como fundamento
para a construção de um Estado Democrático de Direito:
“Art. 1º A
República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito
e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; IV - os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.”
A interpretação e
a aplicação do Direito do Trabalho estão obrigatoriamente condicionadas aos
princípios constitucionais de valorização do trabalho e do trabalhador como
fator inerente à dignidade da pessoa humana. Ao se eleger a dignidade do ser
humano como fundamento da República Federativa do Brasil, constitucionalizam-se
os princípios do direito laboral, com força e imperatividade aptas a conferir
ao trabalho e ao trabalhador, o significado de sustentação do próprio sistema
da nação brasileira. Tal proceder efetiva o Estado Democrático de Direito,
fazendo com que os objetivos políticos decididos pela Constituição sejam
atingidos por meio de todo o ordenamento jurídico.
A proteção da
dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho impede que qualquer
norma que a viole (como tenta fazer o PL 4330 e a terceirização ampla e
irrestrita defendida por Marina Silva) seja considera constitucional. Tal
princípio impede qualquer atitude ou norma que diminua o status da pessoa
humana enquanto indivíduo, cidadão e membro da comunidade. O tratamento dado ao
terceirizado por Marina Silva, visto somente como um mero fator de produção,
viola frontalmente tais princípios contidos no art. 1º. da Carta Magna.
3. Da
ultrajante defesa de terceirização de toda atividade empresarial no Programa de
Marina Silva
A proposta de
Marina Silva é clara: acabar com a discussão atividade-fim e atividade-meio,
permitindo a terceirização de qualquer atividade empresarial e de qualquer
setor de uma empresa.
Uma grande
empresa, no modelo defendido por Marina Silva, nem mesmo precisaria ter
trabalhadores. Poderia ter apenas contratos com outras empresas, que alugariam
trabalhadores para o empresário, reduzindo o obreiro a uma mera mercadoria. E
estas outras empresas terceirizadas, por sua vez, também não necessitariam ter
trabalhadores: poderiam alugá-los de uma outra empresa, quarteirizada (ou
quinterizada). Uso a expressão alugar pois infelizmente a proposta na prática
acaba sendo o ultrajante aluguel de pessoas (proibido desde a Lei Áurea), e não
o que a candidata eufemisticamente chamar ser “terceirização”.
A diferenciação
atividade-fim e atividade-meio serve como um limite claro à terceirização, e
tem permitido coibir tal prática por meio da Justiça do Trabalho. A
análise da atividade-fim é voltada à atuação da empresa tomadora de serviços.
Pela proposta de
Marina Silva, não há limite para o que a empresa tomadora de serviços pode
terceirizar.
Ou seja: a empresa
tomadora de serviços pode se tornar apenas uma administradora do CNPJ da
empresa, terceirizando toda e qualquer atividade. E o trabalhador terceirizado
poderá ser quarteirizado, quinterizado – ou seja, transformado em uma
mercadoria, o que vai contra o princípio que determinou a fundação da OIT, da
qual participou o Brasil: “O trabalho não é uma mercadoria.”
4.
Proposta de Marina Silva é claramente antissindical
A proposta de
Marina Silva significa na prática que o empregador escolherá quais sindicatos
representarão seus trabalhadores, em clara violação à liberdade sindical. O que
na verdade pretende é a aniquilação do movimento sindical, que tem sido nas
últimas décadas uma das principas forças-motrizes da democracia, da sociedade
civil organizada e da resistência ao projeto autoritário-neoliberal. Por isso,
significa também uma disfarçada Reforma Política, a fim de silenciar os
trabalhadores e seus representantes.
Os dispositivos
constitucionais citados no item 2 acima seriam violados, caso fosse permitida a
terceirização de atividade-fim. O TST já analisou de modo detalhado tal
questão, em acórdão da E. SDI-1, tratando exatamente dos reflexos malignos da
terceirização ampla na estrutura sindical: “PROCESSO Nº
TST-E-RR-586341/1999.4 “De outro giro, a terceirização na esfera finalística
das empresas, além de atritar com o eixo fundamental da legislação trabalhista,
como afirmado, traria consequências imensuráveis no campo da organização
sindical e da negociação coletiva. O caso dos autos é emblemático, na medida em
que a empresa reclamada, atuante no setor de energia elétrica, estaria
autorizada a terceirizar todas as suas atividades, quer na área fim, quer na
área meio. Nessa hipótese, pergunta-se: a CELG, apesar de beneficiária final
dos serviços prestados, ficaria totalmente protegida e isenta do cumprimento
das normas coletivas pactuadas, por não mais responder pelas obrigações
trabalhistas dos empregados vinculados aos intermediários? Não resta dúvida de
que a consequência desse processo seria, naturalmente, o enfraquecimento da
categoria profissional dos eletricitários, diante da pulverização das
atividades ligadas ao setor elétrico e da consequente multiplicação do número
de empregadores. Todas essas questões estão em jogo e merecem especial
reflexão.”
Convém destacar
que o STF coloca a liberdade sindical como predicado do Estado Democrático de
Direito: "A liberdade de associação, observada, relativamente às entidades
sindicais, a base territorial mínima – a área de um Município –, é predicado do
Estado Democrático de Direito. Recepção da Consolidação das Leis do Trabalho
pela Carta da República de 1988, no que viabilizados o agrupamento de atividades
profissionais e a dissociação, visando a formar sindicato específico."
(RMS 24.069, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 22-3-2005, Primeira Turma,
DJ de 24-6-2005.)
5. Da
necessidade de impor limites à terceirização, ante os prejuízos que traz aos
trabalhadores e à sociedade
O fenômeno da
terceirização é permitido por nosso ordenamento jurídico somente quanto ao
trabalho temporário (Lei. 6.019/74), de vigilantes (Lei 7.102/83) e de serviços
de limpeza e conservação (conforme a Súmula 331 do TST).
Tal Súmula
considera ilegal a terceirização da atividade-fim da empresa. Ou seja, qualquer
descentralização de atividades deverá estar restrita a serviços auxiliares e
periféricos à atividade principal da empresa.
Uma adequada
interpretação da Constituição Federal também permite colocar sérios limites ao
fenômeno da terceirização, por meio da utilização dos princípios
constitucionais da valorização do trabalho e da dignidade humana, como vimos
acima.
Vejamos alguns dos
prejuízos que a terceirização ampla e irrestrita defendida por Marina Silva
traria aos trabalhadores e à sociedade:
a) a destruição da
capacidade dos sindicatos de representarem os trabalhadores;
b) baixos salários
e o desrespeito aos direitos trabalhistas, com impactos negativos na economia,
no consumo e na receita da Previdência Social e do FGTS (usado primordialmente
para saneamento básico e habitação), com prejuízos a todos; nesse sentido,
convém mencionar as sábias palavras do magistrado José Nilton Pandelot,
ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho:
“Eu diria que a terceirização não é o futuro e sim a desgraça das relações de
trabalho. Porque essa terceirização se estabelece na forma de precarização. Ela
se desvia da sua finalidade principal. Não é para garantir a eficiência da
empresa. É para reduzir o custo da mão-de-obra. Se ela é precarizadora, vai
determinar uma redução da renda do trabalhador, vai diminuir o fomento à
economia, diminuir a circulação de bens, porque vai reduzir o dinheiro injetado
no mercado. Há um equívoco muito grande quando se pensa que a redução do valor
da mão-de-obra beneficia de algum modo a economia. Quem compra, quem movimenta
a economia são os trabalhadores. Eles têm que estar empregados e ganhar bem
para os bens circularem no mercado. Pode não ser evitável, mas se continuar
dessa forma, com uma terceirização que serve para a redução e a precarização da
mão-de-obra, haverá um grande prejuízo à cidadania brasileira e à sociedade de
um modo geral”;
c) precarização do
trabalho e o desemprego. A alegada “geração de novos postos de trabalho” pela
terceirização é uma falácia: o que ocorre com tal fenômeno é a demissão de
trabalhadores, com sua substituição por “sub-empregados” (vide o exemplo da
Argentina e da Espanha nos anos 90);
d) aumento do
número de acidentes do trabalho envolvendo trabalhadores terceirizados, como já
atestou o TST no julgado supracitado;
e) prejuízos aos
consumidores e à sociedade, ante a profunda diminuição da qualidade dos
serviços prestados nas áreas de saúde, educação, segurança, energia, água e
saneamento (dentre inúmeros outros), que seriam fortemente afetados pela
terceirização ilegal;
f) prejuízos
sociais profundos. A ausência de um sistema adequado de proteção e efetivação
dos direitos dos trabalhadores, com a existência de um grande número de
trabalhadores precarizados, sem vínculo permanente, prejudica toda a sociedade,
degradando o trabalho e corroendo as relações sociais: “Como se podem buscar
objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter
relações sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de
identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e
fragmentos? As condições da nova economia alimentam, ao contrário, a
experiência com a deriva no tempo, de lugar em lugar, de emprego em emprego. Se
eu fosse explicar mais amplamente o dilema de Rico, diria que o capitalismo de
curto prazo corrói o caráter dele, sobretudo aquelas qualidades de caráter que
ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de
identidade sustentável.” (SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: As
Conseqüências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo. Trad. Marcos
Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 27).
6. Conclusão: a
proposta de Marina Silva é uma série ameaça aos trabalhadores, aos sindicatos e
até mesmo à competitividade da economia brasileira
Não se pode tratar
o trabalhador como uma mera peça sujeita a preço de mercado, transitória e
descartável. A luta contra a terceirização ampla e irrestrita (infelizmente
proposta de modo veemente no Programa da candidata Marina Silva), lembra à
sociedade os princípios fundamentais de solidariedade e valorização humana, que
ela própria fez constar do documento jurídico-político que é a Constituição
Federal, e a necessidade de proteger a democracia, a coisa pública e a
qualidade do serviços públicos, essenciais para o bem-estar da população.
A candidata Marina
Silva, ao apresentar opiniões frontalmente contrárias aos trabalhadores e ao
defender a terceirização ampla e irrestrita, ameaça até mesmo a competitividade
do Brasil, pois a implementação de tais temerosas propostas:
- criaria enorme
quantidade de trabalhadores precarizados e descartáveis;
- aumentaria
a desigualdade social;
- tornaria ainda
mais frequentes os acidentes e mortes no trabalho;
- diminuiria o
consumo;
- e por fim,
prejudicaria não somente a produtividade e a economia, mas toda a sociedade
brasileira.
* Autorizada a
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Fonte: http://www.csd.org.br/csd/noticias/item?item_id=1594510